Jornalista que mora na Bélgica estava no trem onde bomba explodiu.
Ela relata o pânico, a tentativa de escapar e a solidariedade entre os feridos.
Fotos tiradas por Samla Da Rosa mostram passageiros saindo do metrô após explosão de bomba em Bruxelas (Foto: Samla da Rosa/Arquivo pessoal) |
A partir daí, Samla se tornou uma das testemunhas do segundo atentado que atingiu a capital belga no mesmo dia
No relato que enviou ao G1, ela descreve a perplexidade inicial, a tentativa de sair do trem no ambiente sem luz e cheio de fumaça, a visão dos feridos, a solidariedade entre desconhecidos e a sensação de "nascer de novo" a dois dias de seu aniversário. Leia a seguir:
"Ia de casa para o centro de Bruxelas na linha do metrô que passa por baixo das instituições de europeias, no coração da cidade. Escolhi o segundo vagão e sentei-me ao fundo, na janela, ao lado de uma mulher com um cachorro, e na frente de um jovem que cochilava, e uma moça que falava com outra amiga sobre as explosões de logo cedo.
O trem já havia partido da estação Maelbeek, exatamente uma estação após o Conselho e a Comissão Europeia. Tudo se passou muito rápido. O barulho foi surdo e a janela do metrô caiu sobre a minha cabeça. As luzes foram cortadas imediatamente. Olhei para o lado, vi fumaça, fogo do lado de fora, alguns trilhos destruídos e algumas pessoas correndo na plataforma do outro lado.
O rapaz da minha frente disse que estávamos no meio de 'um atentado terrorista'. Aquele anúncio era um soco para acordar-nos da imobilização.
Pedimos calma àqueles que gritavam e estavam em pânico. Deitamos no chão e nos abraçamos, mesmo sem nunca termos visto um ao outro. Vivíamos aquele momento de solidariedade da dor e cumplicidade do medo.
Uma moça disse que estava apavorada com a possibilidade de explodir outra bomba. Ficamos imobilizados, enquanto algumas pessoas tentavam liberar as portas. Porém nosso vagão estava bloqueado, parado contra a parede. Alguém gritou que devíamos sair dali logo porque corríamos risco de morrer asfixiados pela fumaça espessa.
Neste momento, alguns começaram a pular as janelas para alcançar a plataforma. Protegíamos o nariz contra a fumaça. Lembrei-me que era jornalista e devia fotografar aquele momento. Pedi desculpas, porque senti olhares de censura. Tentei explicar: sou jornalista, precisaremos relatar o que estamos vivendo.
A esta altura, a fumaça já havia tomado todo o ambiente. Não conseguíamos enxergar nada. Deparei-me com o condutor do trem, ferido no rosto, falando ao rádio. Avisava que já havia evacuado o local e dizia que havia sido um verdadeiro massacre ('un carnage').
Segui a pequena luz de sua lanterna que nos guiou para fora da estação. Alguns degraus da escada rolante estavam muito danificados. Deve ter sido o impacto. Eu e outros, menos feridos, tentávamos ajudar os mais feridos ou aqueles que estavam petrificados, a perambular no meio do caminho.
Já na calçada, chegaram as primeiras ajudas de pessoas que passavam na rua. Logo recebi uma garrafa d’agua. Mas os paramédicos chegaram e avisaram que não devíamos beber muita água. Quem se sentia intoxicado, como eu, foi colocado de lado e os queimados e mais feridos foram atendidos rapidamente.
Muita gente chorava. Perguntávamos o porquê de tudo isso? A polícia chegou e bloqueou a área. Ninguém fez lista dos envolvidos naquele atentado. Pouco a pouco as pessoas se dispersaram e restaram os mais feridos. Muita gente queimada no rosto, com a pele em carne viva.
Eu me senti melhor. Olhei à minha volta e me dei conta que havia nascido novamente a dois dias de completar 54 anos. Porém muitos não conseguirão retomar suas vidas nunca mais e isso me dá um aperto muito grande no coração. Ficará na memória a solidariedade humana, o olhar de desespero das pessoas, os muitos rostos desfigurados e um braço, perdido de seu dono, estirado na calçada."
Do G1, em São Paulo