Com reforma do prédio do Mercado São Francisco, algumas atividades não serão mais permitidas no local
Costureiras Teresinha Amador e Ana Maria Caires estão na lista das pessoas que serão despejadas (Foto: Wenderson de Jesus) |
Os feirantes do Mercado
Municipal de São Francisco, localizado na Avenida Major Williams, zona
Norte, questionam algumas ações da administração municipal em relação à
reforma do prédio e a desocupação dos pontos de venda. Alguns
comerciantes afirmam que se sentem desamparados por conta da falta de
comunicação por parte da Prefeitura de Boa Vista, responsável pelo
espaço público.
O comerciante Júlio César Felix Correia,
vendedor de ração para animais no local há pelo menos dez anos, foi um
dos que se diz prejudicado com a atuação da Prefeitura. “A assistência
social veio aqui, fez algumas perguntas, se a gente tinha interesse em
se mudar no caso de uma reforma, quando respondemos que sim. Pouco tempo
depois, a mesma pessoa veio me dizer para ficar tranquilo e que nada ia
acontecer, que só ia ter melhorias. Ela me disse que eu tinha perdido o
meu box, que não vou ser realocado para outro canto e que não vou poder
vender mais ração”, afirmou. Segundo ele, também não houve uma
justificativa para o despejo. “Só me comunicaram que decidiram não
vender mais ração no mercado”, frisou.
Júlio César considerou que uma reforma é
necessária, mas acrescentou que não da forma como está sendo realizada.
“A gente quer um lugar digno, mas nós precisamos de um espaço para
trabalhar, temos conta para pagar. Eu sou um cara de 51 anos e só tenho a
5ª série. Acordo todo dia às 4h da manhã e abro o meu boxe. O que eu
sei fazer é isso”, relatou.
A vendedora de cosméticos e confecções
Maria Nidis Brasil Gomes também recebeu ordem de desocupação, segundo
ela, por não estar no ponto de venda no momento da passagem da equipe
técnica. “Quando eu fui questionar, disseram que eu não estava presente.
Mas quando a assistente passou aqui, eu expliquei que de manhã eu ajudo
a minha amiga no café aqui da feira mesmo, porque ela estava grávida. À
tarde eu fico na loja. Mas a minha filha fica aqui de manhã”, frisou.
“O questionamento foi que eu não estava
presente para assinar o documento, mas eles nem procuraram saber. Eu
tenho testemunhas de que eu estou aqui todos os dias de manhã. A minha
renda é toda daqui. Tenho dois filhos e moro de aluguel. Eu acho isso
uma injustiça”, afirmou.
As costureiras Teresinha Amador e Ana
Maria Caires possuem um ponto de reparo de roupas juntas há quase vinte
anos. Teresinha admitiu que está inadimplente com a Prefeitura, mas
afirmou que só está nesta situação por conta de uma sequência de
problemas pessoais e de saúde. “Eu tive um problema no coração e
pneumonia. Precisei me ausentar para fazer uma cirurgia na Venezuela. A
Ana Maria me acompanhou por uma semana e, nesse período realmente a loja
ficou fechada. Depois o meu filho foi ficar comigo e ela voltou pra cá
para trabalhar”, relatou Teresinha.
A costureira disse que nos momentos mais
problemáticos foi a renda da feira que ajudou no pagamento das dívidas.
“Depois, meu pai ficou doente no interior do Pará e eu tive que ir para
lá. O dinheiro quem me mandava era minha amiga Ana Maria, daqui da
costura. Quando eu voltei de lá, eu caí e quebrei o joelho, não
conseguia andar. Procurei ajuda no governo e prefeitura, mas não
consegui. A minha amiga foi atrás de um fisioterapeuta pra mim. Até hoje
eu devo o fisioterapeuta, mas vou conseguir pagar. Eu pedi à equipe da
Prefeitura uma oportunidade de ir lá, contar a minha história, mas
disseram que a loja tinha ficado fechada e que eu tinha alugado para
terceiros, o que nunca aconteceu. Tenho medo de perder esse espaço”,
frisou.
MODELO DA FEIRA –
Insatisfeitos com a situação, os feirantes que receberam a ordem de
desocupação, além de clientes da própria feira, realizaram um
abaixo-assinado para solicitar uma audiência com a equipe gestora para
obter mais informações sobre como proceder em caso de despejo e até
sobre as previsões de início da reforma. A reunião aconteceu na
terça-feira, 21, mas os feirantes alegam que foi como o planejado.
“Quem perdeu o boxe nem pode entrar. Só
quem vai ser realocado. A minha esposa também tem um boxe onde vende
alimentos há onze anos e ela conseguiu entrar. Ela perguntou qual era o
motivo para não vender ração, e a resposta foi que ração era 'imunda e
fedia muito'. O que a gente esperava é que fosse algo técnico, da
Vigilância Sanitária, alguma lei municipal que foi inventada agora. Mas
não houve isso”, afirmou Júlio César.
Outra reclamação do feirante foi a
presença de outras pessoas que não possuem pontos de venda no mercado.
“Nessa reunião teve gente que eu nunca vi, que não tem boxe e foi pra
essa reunião. Tem gente que vendeu o boxe há mais de seis meses e estava
lá”, declarou.
Outa participante da reunião com a
equipe gestora foi a comerciante Adelaide dos Reis, feirante há 24 anos,
que disse que o modelo atual não atende às necessidades dos que
trabalham por lá. “Ficaram vários pontos faltando, tipo uma porta para
descarregamento dos materiais que não tem. Só tem duas portas principais
lá na frente. A feira está toda fechada, parece um shopping. Só
apresentaram para a gente, não deram explicação nenhuma, não deram
previsão de outra reunião nem para onde a gente vai”, frisou.
Prefeitura diz que analisa situações e confirma redução no número de boxes
Em resposta à Folha, a Secretaria
Municipal de Administração e Gestão de Pessoas informou que o projeto
para a reforma do Mercado São Francisco já está em fase de licitação e
que foram feitas reuniões com os permissionários e apresentado o projeto
do novo mercado, com as respectivas orientações a respeito das obras.
A Prefeitura disse também que já está
verificando a situação de cada um dos permissionários, no sentido de
realocá-los durante o período de reforma. “Porém, é importante ressaltar
que, cumprindo exigências legais, algumas atividades não poderão mais
ser instaladas de forma conjunta com as desenvolvidas atualmente no
mercado”, esclareceu.
Segundo a Prefeitura, a reforma tem por
objetivo dar mais conforto e acessibilidade a comerciantes e clientes,
com o intuito de fomentar a economia e geração de renda no município,
além de recuperar o local que faz parte da história da cidade e que hoje
necessita de reparos.
Reforçou que os feirantes devem estar
dentro das exigências para exercer as atividades que foram definidas
para o novo mercado, sendo que os boxes devem se adequar às normas
legais de acessibilidade e sanitárias, além de espaço de circulação.
“Por esse motivo, o quantitativo de boxes será reduzido para atender à
demanda e necessidade dos permissionários com espaços mais amplos”,
destacou. (P.C.)
Por Paola Carvalho