A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) abriu processo que pode
levar à cassação da concessão do aeroporto de Viracopos, em Campinas
(SP). É a primeira vez que a agência adota um procedimento desse tipo
para um aeroporto operado pela iniciativa privada.
Segundo a Anac, o processo foi aberto no dia 9 de fevereiro e ainda
está na área técnica. Após ouvida a concessionária, será votado pela
diretoria da agência, que decidirá se cassa ou não a concessão do
terminal. Não há prazo para que essa votação ocorra.
Um dos pontos que motivou a abertura do procedimento foi o atraso da
concessionária de Viracopos, a Aeroportos Brasil, em quitar parcelas da
chamada outorga, que é um valor pago anualmente ao governo pelo direito
de explorar um bem público.
A empresa, que enfrenta dificuldades econômicas (leia mais abaixo), deixou de depositar as parcelas de 2017 e de 2016 da outorga. No ano passado, a Anac executou uma garantia, um seguro obrigatório, da parcela de 2016.
Como a Anac usou parte do seguro, a empresa precisa cobrir o saldo, o
que a agência diz que ainda não ocorreu. A falta desse depósito para
recompor o valor do seguro também é apontada pela Anac como
justificativa para o processo de caducidade.
Cada parcela fixa anual da outorga de Viracopos é de R$ 169,2 milhões (mais juros calculados mensalmente).
Em nota, a Aeroportos Brasil informou que não teme um processo de
caducidade. Ela informou que já pagou a seguradora, pela parcela da
outorga de 2016, e pretende pagar a outorga de 2017 até o final de
março, o que a deixaria em dia com Anac.
Devolução amigável
O início do processo coloca contra a parede o governo e a Aeroportos
Brasil, que correm contra o tempo para viabilizar a devolução amigável
da concessão de Viracopos e evitar a caducidade.
A possibilidade de devolução e relicitação de concessões foi anunciada em 2016 pelo governo Michel Temer para atender justamente a empresas com dificuldade em cumprir os contratos.
Além da crise econômica, que frustrou as expectativas para movimentação
de passageiros e cargas nos aeroportos, as empresas que administram os
terminais leiloados durante o governo Dilma têm entre seus acionistas
empreiteiras atingidas pela Operação Lava Jato.
Em julho do ano passado, a Aeroportos Brasil anunciou o interesse em devolver Viracopos. O processo, no entanto, ainda não foi formalizado. Na época, a concessionária afirmou que aguardava a regulamentação da lei.
Segundo o secretário de aviação civil do Ministério dos Transportes,
Dario Lopes, não é preciso que a regulamentação seja concluída para que
Viracopos seja enquadrado para relicitação. Ele afirmou que essa medida
depende basicamente da entrega de documentos e deve ser concluída ainda
em março.
"Há um trabalho conjunto da Secretaria [de Aviação Civil], com o
Programa de Parcerias de Investimentos, junto com os advogados de
Viracopos, para conseguir fazer o enquadramento. Eles receberam o
retorno de que precisam apresentar um monte de documentos", disse.
O maior do país em 2025
Viracopos foi leiloado em fevereiro de 2012.
O consórcio Aeroportos Brasil, formado pelas empresas Triunfo
Participações e Investimentos (45%), UTC Participações (45%) e Egis
Airport Operation (10%), ofereceu outorga de R$ 3,821 bilhões pelo
direito de operar o terminal por 30 anos. O valor é 159,75% superior ao
mínimo exigido pelo governo.
O ágio alto é apontado por analistas como uma das causas da crise vivida pelo aeroporto.
A concessionária também culpa a frustração de demanda, por causa da
crise econômica. De acordo com ela, o estudo de demanda do governo
previa que Viracopos receberia 17,9 milhões de passageiros em 2016, mas
naquele ano a movimentação efetiva foi de 9,3 milhões, ou seja, 52%
menor.
Antes do leilão, o governo projetava que o aeroporto seria o maior do país em 2025,
com uma movimentação de 55 milhões de passageiros por ano, superando,
assim, as projeções para o aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do
Brasil hoje. Em 2016, quando Viracopos movimentou 9,3 milhões de
passageiros, Guarulhos teve uma movimentação de 36 milhões.
Regulamentação
O secretário de Aviação Civil negou que haja má vontade do governo em
permitir a devolução e relicitação de concessões. De acordo com ele, o
que está emperrando o processo é o fato de não existir um consenso
dentro do governo sobre o texto da regulamentação da lei.
Entre os pontos que ainda não estão fechados está a forma como será
calculada a indenização que o concessionário receberá por investimentos
feitos e que não foram compensados.
"A relicitação tem menor risco de judicialização do que um processo de
caducidade, que não é amigável", afirmou Lopes, justificando a
preferência do governo em viabilizar a devolução de Viracopos.
Além do aeroporto, outras concessões aguardam a regulamentação da lei, entre elas a da rodovia BR-040, entre Brasília e Juiz de Fora (MG).
Venda da concessão ou entrada de novo sócio
Paralelamente às negociações para enquadrar o aeroporto na regra de
relicitação, o governo também conta com a possibilidade de os
concessionários conseguirem uma solução de mercado para Viracopos, ou
seja, a venda ou a entrada de um sócio.
Dario Lopes disse que o governo não tem conversado diretamente com nenhum investidor interessado no aeroporto e que, a exemplo do que ocorreu no Galeão, é a concessionária que pede ao governo informações e repassa para os potenciais investidores.
"O que eu posso dizer é que eles [a concessionária de Viracopos] já
estiveram mais tristes", disse o secretário, ao ser questionado se havia
muitos interessados no terminal.
Em nota, a Aeroportos Brasil confirma a negociação com grupos
estrangeiros, mas informa que não pode revelar nomes por causa do sigilo
que envolve a negociação. "No caso da possível entrada de um novo
sócio, o aeroporto poderia até abrir mão do pleito para ser qualificado
na Lei de Relicitação", esclareceu.
Multa
Apesar da crise financeira, o aeroporto de Campinas está entre os mais bem avaliados
na pesquisa de satisfação dos passageiros, feita pela Secretaria de
Aviação Civil a cada três meses. Essa avaliação positiva, aponta Lopes,
deve ajudar na busca por compradores. E, apesar do atraso, a
concessionária conseguiu entregar as obras previstas.
O atraso em obras, porém, deve gerar um custo milionário para a concessão. No dia 20 de fevereiro, a Anac confirmou uma multa de pelo menos R$ 60 milhões contra a Aeroportos Brasil pela entrega das obras de pátio, estacionamento e terminal de passageiros fora do prazo fixado em contrato.
Essas obras deveriam ter ficado prontas até 11 de maio de 2014, ou
seja, antes da Copa daquele ano, que aconteceu no Brasil, mas só foram
completamente entregues em 2016.
Além da multa de R$ 60 milhões, a agência ainda aplicará uma multa por
dia de atraso de cada uma das obras. Esse cálculo ainda será feito e,
por isso, o valor final da multa que deverá ser paga pela empresa ainda
será calculada pela agência reguladora.
Por Laís Lis, G1, Brasília