"É humilhante, mas as próprias autoridades me ignoram e acham que o
tratamento é puramente estético." As palavras, acompanhadas por
lágrimas, são da aposentada Geruza de Oliveira, de 55 anos. Há 16 anos, a
moradora do Distrito Federal luta para conseguir uma prótese que
deveria preencher parte de seu rosto, amputado após uma cirurgia para
retirada de um tumor maligno, em 2002.
O diagnóstico de câncer de pele veio em 2001 e, no ano seguinte, Geruza
se submeteu à cirurgia. Durante a fase de recuperação, ela precisou
trocar a vida ativa como auxiliar de serviços gerais pela aposentadoria
por invalidez. Desde então, a paciente fala com dificuldades, não pode
comer alimentos sólidos e também não consegue segurar a saliva na boca.
"Eu tenho complexo de inferioridade. Só fico em casa e hoje não posso mais trabalhar. Minha alimentação é só comidas moles."
"Sinto muita fraqueza e desânimo, não sou mais aquela mulher com
disposição para fazer o que fazia antes", conta. "É muito forte e doída a
minha situação. A gente vê tanta roubalheira por aí, mas não dão uma
ajuda pra gente com uma coisa grave", desabafa.
Custo de R$ 13 mil
O material que poderia dar mais qualidade de vida para Geruza custa R$
13 mil. As próteses de mandíbula e dentes não são oferecidas pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, segundo a Justiça Federal,
cabe à União e ao GDF a responsabilidade pela compra e a realização do
procedimento de reabilitação da paciente.
Procurado pelo G1,
o governo federal, por meio da Advocacia-geral da União (AGU), se
eximiu da responsabilidade. Em nota enviada à reportagem, o órgão diz
que "em respeito ao pacto federativo", a AGU não poderia fazer uso da
rede pública de saúde do Distrito Federal "sem a anuência do ente
federado", ou seja, sem o consentimento do governo local.
Já o GDF diz que para casos como o de Geruza é necessário que a
paciente adquira as próteses "por sua conta" ou "ingresse em Juízo". O
governo do DF disse ainda, que "caso venha a ordem judicial para
adquiri-lo", o SUS conseguiria comprar o material por meio de licitação.
Apesar da explicação dada, o governo do DF reconhece que a licitação já
foi feita, mas "nenhuma empresa se interessou em prestar serviço".
Espera sem fim
Cansada de aguardar pelos procedimentos de reabilitação, Geruza decidiu
procurar a Justiça em 2011. Na época da primeira ação ajuizada na
estância federal, a aposentada conseguiu o direito à reabilitação oral,
para voltar a se comunicar e engolir com mais facilidade.
Em 2015, uma outra ação determinou a cirurgia de reparação da face da
paciente, com a implantação, inclusive, das "coroas dentárias" para
fixação dos dentes extraídos. Até esta sexta-feira (9), o procedimento
ainda não tinha previsão para acontecer.
No processo – com base em relatórios médicos –, a juíza federal Adverci
de Abreu reconheceu que o estado de saúde de Geruza é considerado
"grave", em razão das sequelas resultantes da intervenção cirúrgica. Por
esse motivo, o magistrado obrigou que o GDF e a União submetam a mulher
ao tratamento de reabilitação oral.
"[...] o perigo da demora decorre do permanente desconforto com sua atual aparência diante da visível mutilação de sua face em inegável prejuízo ao seu bem-estar, situação que pode se agravar a cada dia."
Bloqueio de bens
Passados dois anos da determinação da Justiça, em 2017, o GDF e o
governo federal continuavam sem autorizar a realização dos procedimentos
de reabilitação da paciente. Na tentativa de obrigá-los, em outubro do
ano passado, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 13,1 mil das duas
estâncias de governo.
O objetivo era viabilizar o custeio direto do tratamento, contudo, os
órgãos não atenderam a determinação. Segundo o processo, tanto o GDF
quanto a União "não apresentaram contas válidas" para que o dinheiro
fosse aplicado no tratamento da paciente.
Ao G1,
a Advocacia-geral da União justificou que a indicação de uma conta que
houvesse o valor especificado "caberia ao credor", no caso representado
pela Defensoria Pública da União (DPU).
O GDF explicou à reportagem que o valor não foi bloqueado porque o
sistema usado pela Justiça Federal não tem permissão para movimentar a
conta única do Tesouro Nacional, onde estão depositados os recursos.
Presente de aniversário
Enquanto acompanha o impasse judicial, a aposentada diz sonhar com a
implantação das próteses na mandíbula e dos dentes. Ao falar com o G1,
Geruza chorou ao lembrar que o aniversário está próximo – em março – e
diz que "voltar à vida normal" seria um presente para o dia.
"Gostaria de minha reabilitação, do meu tratamento e minhas próteses de dente. Preciso muito. Não tenho condições financeiras."
Por Marília Marques, G1 DF