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Índios migram para centros urbanos


   
Foto:  Chales Bispo
A cena já é comum em Boa Vista: índios perambulam pelas ruas pedindo esmola, roupa e comida

A migração é silenciosa, mas notada. O número de índios que deixam suas comunidades para arriscar uma vida melhor na Capital aumentou nos últimos anos, em Roraima, segundo dados apontados pelos dois últimos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, Boa Vista tinha 6.150 índios. O número pulou em 2010 para 8.550.

A Folha entrevistou esta semana vários indígenas, em zonas distintas da cidade, para saber os principais motivos da migração. E a resposta de todos foi quase a mesma. “Não tem mais como viver na comunidade. Não tem saúde, não tem comida. Nosso povo está morrendo de fome”, lamentou a índia macuxi V.A.O, de 41 anos, mãe de 10 filhos, moradora da comunidade Beija-Flor, em Normandia, município a 190 quilômetros da Capital pela BR-401, Noroeste de Roraima.

No início da tarde da última segunda-feira, 14, na feirinha do São Vicente, na zona Sul da cidade, a índia e mais dois filhos, uma jovem de 15 anos e uma criança de dois, deficiente, merendavam e aguardavam uma consulta médica. Aparentemente definhada, ela disse que tentava obter um laudo para poder receber a aposentadoria do filho, menor, que já nascera com problemas mentais.

A índia lamentou que falta tudo em sua comunidade. Segundo ela, não tem médico, sequer energia elétrica. “Não sei até quando fico lá, mas muitos jovens, filhos dos parentes, já vieram para a cidade tentar uma vida melhor”, comentou.

Alojada em uma casa de apoio indígena, no bairro São Vicente, a índia disse que atualmente sua comunidade sobrevive da pequena plantação de mandioca, milho, feijão e algumas frutas. “A gente vive da roça. Eu volto pra lá daqui a dois dias, mas está difícil”, reclamou.

Aproximadamente 20 famílias, segundo a índia, ainda moram na comunidade Beija-Flor. Mas a falta de apoio por parte do poder público, segundo ela, vai acabar provocando a vinda da maioria dos parentes para a Capital, em busca de uma vida melhor, o que provocaria o esvaziamento total da maloca.

A situação de penúria também ocorre em outras comunidades indígenas de Roraima. Os índios reclamam da falta de apoio do governo estadual e municipal que, segundo eles, não fazem a manutenção das estradas, nem constroem ou reformam escolas e postos de saúde, principalmente nas aldeias mais distantes dos centros urbanos.

Por esse motivo, mesmo ocupando metade do território de Roraima, os índios enfrentam inúmeras dificuldades em suas comunidades, o que acaba forçando a migração à Capital ou para as sedes dos municípios. Exemplo da falta de apoio vem ocorrendo desde 2009, quando produtores rurais que ocupavam as terras próximas ao rio Uraricoera foram retirados do local para que fosse homologada a reserva indígena Raposa Serra do Sol, a Noroeste de Roraima. Quatro anos depois, o que se vê é um imenso lavrado, praticamente abandonado.

As estradas de terra batida que levam à maioria das comunidades indígenas estão esburacadas e cheias de lama. As pontes de madeira em situação precária colocam em risco a vida dos moradores, que dificilmente são socorridos. Eles sofrem ainda com problemas de saúde decorrentes da falta de saneamento básico. Raramente um médico visita as comunidades mais distantes. E os doentes mais graves dependem de deslocamento aéreo fornecido pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde.

Para piorar a situação, as comunidades indígenas, empobrecidas, também ficam impossibilitadas de escoar para os centros urbanos o pouco que sobra da produção agrícola. No período de chuvas, o excedente, principalmente frutas, estraga na beira das estradas.

“Não tem como viver na comunidade desse jeito, sem saúde e sem educação, isolado e sem o apoio do governo. Por isso que muitos parentes já deixaram a comunidade para buscar uma vida melhor na Capital”, comentou outro índio macuxi, que preferiu não se identificar. Ele bebia cachaça e jogava sinuca na tarde da última segunda-feira, 14, na feirinha do São Vicente, zona Sul de Boa Vista.





AMILCAR JÚNIOR
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