Fabricação, distribuição e uso da polêmica pílula foram aprovados esta semana na Câmara dos Deputados
A polêmica em torno da
liberação da fosfoetanolamina sintética está próxima de ser resolvida. O
projeto de lei que autoriza a fabricação, distribuição e uso da chamada
“pílula do câncer” foi aprovado esta semana na Câmara dos Deputados, em
Brasília. Para entrar em vigor, a matéria ainda precisará ser aprovada
no Senado e passar por sanção presidencial.
O projeto permite que pacientes possam
fazer o uso da substância desde que tenham atestado médico provando que
possuem algum tipo de câncer. Para o usuário ter acesso à pílula também
será necessária a assinatura de um termo de consentimento ou
responsabilidade.
A pílula vem sendo distribuída há alguns
anos como forma de tratamento a todos os tipos de câncer. No entanto,
ainda não há nenhuma comprovação científica que ateste sua eficácia e
efeitos colaterais. A substância não passou pelos testes necessários
para aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
não pode ser considerada um medicamento.
O Tribunal de Justiça de São Paulo
decidiu suspender, recentemente, a distribuição da “fosfo”, sob alegação
de que não há comprovação de que a substância combata o câncer e nem
são conhecidos os efeitos em humanos e se há riscos à saúde. Ela nunca
chegou à fase de testes clínicos, em que é administrada a um grande
número de pacientes, sob o controle de médicos e pesquisadores.
Para ter acesso à substância, muitos
pacientes recorreram à Justiça para conseguirem uma liminar que
liberasse o uso. Em novembro do ano passado, o juiz César Henrique
Alves, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública, concedeu decisão para o
fornecimento de um remédio a uma paciente de Roraima que se encontra em
tratamento de câncer em São Paulo. A liminar permitiu que o Instituto de
Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP)
fornecesse a droga ao paciente.
O relato de pacientes com câncer
terminal, que vivem anos à base de fosfoetanolamina, onde afirmam que
foram curados com o uso da substância, fez com que o Ministério da
Ciência & Tecnologia anunciasse, em novembro de 2015, a destinação
de R$ 10 milhões para o financiamento de pesquisas para testar a ação da
fosfoetanolamina sintética, sua eficácia e os riscos.
PÍLULA – A
fosfoetanolamina sintética é um composto químico orgânico presente
naturalmente no organismo de diversos mamíferos. Ela ajuda a formar uma
classe especial de lipídeos, os esfingolipídeos, moléculas que
participam da composição estrutural das membranas das células e das
mitocôndrias.
Como nutriente, a fosfoetanolamina está
presente na composição natural do leite materno humano, o que demonstra a
relevância fisiológica dessa substância e também seu baixo grau de
risco toxicológico.
Do ponto de vista bioquímico, trata-se
de uma amina primária envolvida na biossíntese de lipídeos. Além dessa
função estrutural de formar a membrana celular, ela possui ainda uma
função sinalizadora, ou seja, a fosfoetanolamina informa o organismo de
algumas situações que as células estão passando.
Liberação para o uso da droga divide opinião de especialistas
A Folha entrevistou especialistas na
área para saber qual a opinião sobre a liberação da “pílula do câncer”
para uso em pacientes. Para o médico oncologista Anderson Dallas
Benetta, não há nenhuma constatação de eficácia da substância. “Ela
nunca foi testada em seres humanos e não existe nenhum estudo científico
de utilização dessa pílula. Por isso, ela não é autorizada, porque não
tem nenhum resultado em nenhum lugar do mundo que prove a eficácia do
medicamento”, disse.
Ele afirmou que, para um medicamento ser
liberado para uso em humanos, são necessários anos de estudos
científicos. “É claro que a indústria farmacêutica terá interesse se for
comprovada a eficácia, até porque ganham dinheiro em cima. Mas para um
medicamento ser liberado para uso em humanos são anos de estudos
científicos, são várias fases e anos e anos de pesquisa para comprovar a
eficácia e os efeitos colaterais”, frisou.
Apenas o relato de pacientes, segundo o
médico, não pode ser levado em conta para a liberação da substância. “A
título científico, os resultados são ignorados, porque jamais um
medicamento será liberado se não passar por estudos científicos corretos
que sigam todas as normas. Opiniões pessoais perante a ciência não têm o
menor peso científico. Muitos pacientes questionam a gente sobre essa
pílula e não autorizamos e nem concordamos com a utilização”.
A presidente da Liga Roraimense de
Combate ao Câncer, a médica Magnólia Rocha, afirmou que existem indícios
de que a droga possui efeito benéfico ao paciente. “Eu não tenho nada
contra, mas uma medicação dessas tem que ser realmente bem testada antes
para a gente liberar para a população de uma forma geral. Acho que há
indícios de que realmente é um bom medicamento e tem resultados
satisfatórios, mas não pode ser usada de forma indiscriminada”,
declarou.
Para ela, falta mais interesse por parte
de pesquisadores e da indústria farmacêutica para estudar a “fosfo”. “É
um medicamento necessário para ser estudado e para que haja um consenso
entre cientistas e as empresas que vão industrializar esse medicamento.
Tem que haver esse entendimento para termos um resultado satisfatório”,
disse.
Paciente que utiliza a substância alimenta esperança de ser curado
Paciente do Núcleo de Oncologia do
Hospital Geral de Roraima (HGR), Valcir Centenaro, afirmou que convive
há alguns anos com sarcoma, um tipo de câncer desenvolvido a partir de
certos tecidos, como osso ou músculo. Ele lutou para conseguir, na
Justiça, o direito de utilizar a fosfoetanolamina como forma de
tratamento da doença.
“A gente tem a esperança que dê certo,
esperança de que consiga me curar. Estou fazendo o uso desde que
consegui a liminar, em outubro do ano passado. Tem me ajudado bastante,
não tenho mais problemas de tumor, fiz ressonâncias e não deu nada.
Fazia apenas a quimioterapia, que é somente em uma fase, mas agora eu
acho que está fazendo efeito”, afirmou.
Ele relatou que tenta agora a liberação
médica para o uso da pílula. “Quando entrei na Justiça, o juiz deu a
liminar favorável. No Tribunal, a desembargadora pediu que eu
conseguisse um receituário, mas é difícil, muitos médicos se recusaram a
me dar, mas meu médico disse que vai liberar”, frisou. (L.G.C)
Por Luan Guilherme Correia