Com a profissionalização dos jogadores de games, quem escolhe viver da
habilidade no mouse, teclado ou joystick tem direito à carteira assinada
e aos benefícios de atletas e de outros profissionais? Sim. É o que
pensam advogados especializados em direito desportivo que estavam na
Campus Party 2018.
O tema é motivo de discussão há alguns anos porque muitos ciberatletas
ainda atuam sem uma relação de trabalho formalizada. E foi debatido no
evento de tecnologia que aconteceu até domingo (4) em São Paulo, no
Anhembi.
De acordo com Cristiano Caús, advogado especialista no assunto e
consultor jurídico do time do Santos, a Lei Pelé, que ampara o vínculo
empregatício dos atletas de esportes tradicionais, atende ciberatletas.
O que vale para jogadores de futebol, vale para quem quer ou já se profissionalizou em "Fifa", "League of Legends", "Overwatch" e outros games.
Esse seria o caminho recomendado para intermediar a relação entre equipes e seus talentos.
'Pro player' é empregado
"O tipo de atividade prestado pelo ciberatleta, nem se a Lei Pelé não
existisse, caracteriza o vínculo de emprego", diz Caús ao G1.
"Se você presta seu serviço exclusivamente para uma empresa, dali tira
seu sustento, atende a hierarquia e a carga horária de lá, trabalha com
as ferramentas da empresa e é pessoal, ou seja, não pode ser
substituído, está caracterizado o emprego".
"A proteção jurídica dos ciberatletas é igualzinha à do Neymar", diz o advogado.
Equipes que não assinarem as carteiras dos seus jogadores estão
sujeitas, se acionadas na Justiça, a arcar de qualquer forma com
encargos trabalhistas como 13º salário, férias, horas extras, depósito
no Fundo de Garantia, etc.
"O que vemos hoje é basicamente a informalidade", diz Helio Tadeu, advogado especializado em direito digital. Ele publicou no início de 2016 um documento tratando dos riscos nos contratos de ciberatletas.
Direito de arena
Segundo Tadeu, o principal problema na relação entre equipes e atletas
está nas cláusulas dos contratos. "Os jogadores, por exemplo, têm que
ter direito de arena, que é quando são vistos na TV e garantem uma
participação em dinheiro pela sua exposição em transmissões", ele fala.
Cristiano Caús conta que muitas equipes de eSports, assim como empresas
novas, contratam seus funcionários "por fora" pela falta de dinheiro
para bancar os encargos. O risco, porém, pode não ser a melhor opção na
hora de atrair investidores.
"Os custos com um empregado CLT são de 68% (do salário). Mas no caso
dos ciberatletas cai para menos de 40% por conta da Lei Pelé".
"Vai despender mais para manter o atleta? Vai. Mas quando o patrocinador enxerga a relação formalizada, é ali que ele vai investir porque não há risco de entrar numa ação trabalhista como responsável", diz o advogado.
"É o que acontecia com o vôleibol e o basquetebol há 10 anos e até hoje
tem isso. O cara patrocina o clube e é acionado junto quando o atleta
entra com uma ação trabalhista contra porque não há contrato de
trabalho. E ele nunca mais entra. O que os eSports não podem fazer é
isso. Deixar que esses patrocinadores fujam porque você não está
organizado", conclui.
Vida após o mouse
A profissionalização do esporte eletrônico criou não somente o cargo de
ciberatleta, mas também de profissões que, assim como o futebol, vivem
em torno da equipe. Nutricionista, psicólogo e preparador físico são
algumas delas, além de treinador – este último um cargo geralmente
ocupado por quem se aposentou dos campos virtuais.
Gabriel Souza, o "Mit", começou a jogar "League of Legends" profissionalmente em 2012 na Pain Gaming. Mas foi como técnico da mesma equipe que ele venceu o Brasileirão do game em 2015 e hoje é técnico da equipe Flamengo eSports.
Bruno Fukuda, o "Bit", é outro que deixou a briga pelo Nexus de "League
of Legends" para se tornar técnico de um time da categoria. Mas uma
paixão antiga falou mais alto e "Bit" retornou a competir, só que em
outro jogo: o mais competitivo do que nunca "Counter-Strike: Global
Offensive".
Por Bruno Araujo, G1