A troca de produtos básicos entre os venezuelanos, que se intensificou
nos últimos anos com o acirramento da crise e o desabastecimento no
país, recebeu o apoio da prefeitura de Baruta, cidade vizinha à capital
Caracas, neste sábado (25).
A prefeitura, comandada por Gerardo Blyde, um oposicionista ao governo
de Nicolás Maduro, decidiu ajudar a organizar a prática do escambo e
oferecer policiamento em um espaço público para que ela ocorresse em
segurança. Uma agência de publicidade ajudou a desenvolver o projeto.
A escassez de alimentos e produtos básicos afeta a Venezuela. Em
Caracas, ela foi calculada em 80% em 2016, pela empresa Datanálisis.
Grandes filas e prateleiras vazias viraram rotina nos supermercados. Há
pouco mais de um ano, o presidente Nicolás Maduro decretou um “estado de
emergência econômica”, que foi renovado pela 6ª vez no início de 2017.
Em março, o Parlamento decretou crise humanitária em matéria de
alimentos.
Os venezuelanos já vinham
se organizando pela internet para oferecer os produtos que encontram
nos supermercados e pedir aqueles que não conseguem comprar. Mas relatos de fraudes e roubos, além de uma onda de saques no comércio, tornaram a prática perigosa.
Há duas semanas a prefeitura de Baruta anunciou que ajudaria os
venezuelanos com o escambo. Os interessados deveriam usar o Twitter, e a
hashtag #MercadoSocial, para anunciar o produto que ofereciam e aquele
que desejavam. Assim, os interessados conseguiram se comunicar para
combinar o melhor horário para as trocas, que ocorreram no último sábado
ao lado de um posto policial.
‘Situação frustrante’
A prefeitura estima que cerca de 300 pessoas foram ao local para trocar
produtos. Angela López, de 26 anos, foi uma das participantes. Ela
entrou em contato com Grecia Reyes, de 24 anos, que anunciou no Twitter
que poderia oferecer sabão para lavar roupa e precisava de farinha de
milho. No sábado, fizeram a troca.
Angela contou ao G1
que costuma fazer trocas de produtos com amigos e familiares, mas não
com desconhecidos. Ela afirma que têm condição financeira para comprar
produtos, mesmo com o preço mais elevado do que o normal, mas que não
consegue encontrá-los no mercado. Angela descreve o desabastecimento de
produtos como uma situação “frustrante”.
“A situação está muito crítica, porque uma coisa que vou pagar agora
está três, quatro ou cinco vezes mais cara do que o preço regulado. E
mesmo que possa pagar mais caro, custa muito conseguir o produto”, diz.
“Você se esforça para conseguir o dinheiro e não encontrada nada. É uma
situação frustrante”.
Grecia, que lhe deu o sabão pela farinha de milho, diz que esta foi a
primeira vez em que trocou produtos com uma pessoa desconhecida e que
foi atraída pelo fato de a troca acontecer em um local vigiado por
policiais.
Para ela, a rotina mudou muito com a crise, já que as famílias têm que
se adaptar em função dos produtos que encontram para comprar. “Há muitos
produtos que você deixa de consumir, que são difíceis de encontrar,
tanto alimentos como de higiene. E afeta a vida cotidiana, porque você
deixa de consumir alimentos ou de fazer coisas que são básicas”, afirma.
Crise
A Pesquisa Nacional de Condições de Vida (ENCOVI) de 2016 - elaborada
por pesquisadores das três maiores universidades do país - indicou que
93% dos lares venezuelanos não têm dinheiro para comprar alimentos e que
cerca de 9,6 milhões de pessoas comem duas ou menos refeições por dia.
A pesquisa também indicou que em 2016 81,8% das casas estavam em
situação de pobreza, o que é quase o dobro dos 48% que foi contabilizado
em 2014.
Segundo informa a agência de notícias Associated Press, a Assembleia
Nacional conseguiu aprovar uma série de leis e acordos para atender a
crise, mas todos foram anulados pelo Tribunal Superior de Justiça, que é
tido como alinhado com o presidente Nicolás Maduro.
O país já passou por outras crises de escassez em anos anteriores e o
governo fez tentativas de controlar a inflação. Em 2014, entrou em vigor
a chamada Lei de Preços Justos, que estabelece um limite de 30% para a
margem de lucro no comércio no país, com pena prevista de 10 anos de
prisão para especuladores.
No final daquele ano, Maduro também implementou um mecanismo de
controle biométrico para limitar as compras de produtos e alimentos
mercados das redes governamentais do país. O sistema impede que uma
pessoa compre o mesmo produto duas vezes na mesma semana.
Por conta do desespero da população, a incidência de saques e de violência também tem aumentado.
Uma série de fatores agravou os problemas sociais e econômicos, como a
alta dependência da importação de bens, a queda do preço do petróleo –
maior fonte de suas divisas - e o controle estatal de produção e
distribuição de produtos básicos.
A oposição culpa o modelo socialista pela atual crise. Já o presidente a
atribui à queda dos preços do petróleo e a uma "guerra econômica" de
empresários de direita para desestabilizar seu governo.